Espelho Fosco
Reflexões difusas, soma dos vários espectros.
segunda-feira, julho 30
O Jardim de Jardim
Diz JLP no Small Brother:
«Curiosamente, ainda não se viu no governo socialista, no respectivo partido ou no séquito de claques que vão pontuando aqui e ali, alguém a pedir que, dada a constatação do tamanho da afronta em curso ao próprio ordenamento constitucional que transpira das suas afirmações e palavras (com acusações de "ditadura" e de "separatimo" à mistura), seja assacada a Alberto João Jardim a sua responsabilidade política (afinal o mecanismo essencial da fiscalização democrática), apelando-se a que o Presidente da República assim que possa dissolva os órgãos do governo regional e convoque eleições antecipadas.
Afinal, é altura de dar o voto aos cidadãos madeirenses (e às pobres e oprimidas cidadãs que estão a ser vilipendiadas nos seus direitos), para que possam de lá democraticamente correr quem deve estar a prejudicar tanto os seus interesses.»
Pois, também eu queria. Mas eu não moro na Madeira e os que lá moram acabaram de dar em eleições a maioria absoluta ao dito senhor. Não é um pormenor.
Supondo que Cavaco, à luz duma interpretação rigorosa dos preceitos constitucionais, decide dissolver a maioria de Jardim, qual será o resultado das eleições seguintes? Quer saia vingada, quer saia pela culatra, a dissolução ajudará alguma coisa ao défice de literacia democrática que ali grassa?
Julgo que não.
Etiquetas: política
Podem começar a trabalhar
«O Ministério da Defesa enviou hoje documentos ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) em que conclui que o Campo de Tiro de Alcochete pode ser utilizado para a construção do novo aeroporto.»fonte: Lusa.
Gostaria que o LNEC dissesse publicamente que isto foi só uma formalidade e que ninguém perdeu um dia que fosse à espera desta autorização. É que o pressuposto de todo este processo de apenas seis meses foi esta mesma possibilidade.
Etiquetas: engenharia, Novo Aeroporto, política
Liberalize-se o espectro electromagnético
Diz Manuel Falcão:
«Os sucessivos governos têm querido a todo o custo impedir o surgimento de novos canais portugueses, nomeadamente em sinal aberto. O Governo limita-se a servir de guardião de interesses estabelecidos, argumentando com a dimensão do mercado publicitário [...]»
«Aqui ao lado, em Espanha, o Governo teve o bom senso de permitir dois novos canais abertos, criando uma transição mais suave para a realidade da alteração da oferta, dentro de poucos anos, com a Televisão Digital Terrestre (TDT), onde existirão provavelmente o dobro dos canais generalistas actuais[...]»
Não há absolutamente nenhuma razão para não permitir mais canais abertos. Não há absolutamente nenhuma razão para não liberalizar a gestão do espectro electromagnético, permitindo que as licenças de uso sejam bens transaccionáveis. O modelo de licenças actual faz lembrar o método autárquico.
sábado, julho 28
A Cannabis e o desenvolvimento de psicoses
A propósito desta notícia do Público, Carlos Loureiro diz no Blasfémias:
«Admitindo que a correlação estatística existe, não será antes a maior popensão para as doenças mentais a justificar a menor resistência ao consumo de cannabis?»
Com efeito, Carlos. O próprio autor do estudo, no podcast da revista Lancet diz que não se pode estabelecer o nexo de causalidade entre o consumo de Cannabis e o desenvolvimento de psicoses mais tarde. O que há é uma correlação, que nos diz que as pessoas que consomem cannabis têm um risco aumentado de desenvolvimento de psicoses, mas não necessariamente por causa desse consumo. É uma distinção muito importante esta entre causalidade e correlação. Para ter uma ideia, basta pensar que se duas condições forem consequências da mesma causa (e de nenhuma outra) a correlação pode ser de 100% (onde existe uma existe a outra e vice-versa) mas nenhuma delas causa a outra, sendo a relação de causalidade inexistente. E se tentássemos reduzir uma controlando a outra, nada aconteceria. É um exemplo extremo, apenas.
A verdade é que a maioria das condições observáveis são multi-variadas, com causas e consequências difusas. De qualquer forma, no que ao consumo de Cannabis concerne, o consenso científico é que não há uma relação causal estabelecida; há, isso sim, uma ligeira correlação com o desenvolvimento de desordens psicóticas, o que leva a concluir que o consumo de cannabis é tido como um factor contribuinte (nem necessário nem sequer suficiente) para um risco acrescido de desenvolvimento de psicoses, quando os outros factores também se verificam. Isto verifica-se de forma proporcional ao consumo e inversamente proporcional à idade, claro. É claro que as manchetes de jornais ou as palavras aterradoras de pessoas como Manuel Pinto Coelho não têm razão de ser. O senso científico está muito mais de acordo com o comum.
A ler, sobre o mesmo tópico, mas no Reino Unido, este artigo.
sexta-feira, julho 27
Política Móderna (mete "virtual", que fica bem!...)
O mundo continua aos poucos a ensandecer. Então não é que:
«O Ministério da Justiça vai lançar hoje, em Aveiro, um centro de mediação e arbitragem no mundo virtual do "Second Life". Este centro disponibiliza serviços de mediação e arbitragem aos "avatares" residentes neste mundo virtual - um número que supera já os 8,38 milhões em todo o mundo - podendo ser utilizado para dirimir conflitos derivados de relações de consumo ou de quaisquer contratos celebrados entre as partes neste mundo virtual.»
Pela minha parte e enquanto cidadão, diagnósticos à parte, só espero que não se gaste um cêntimo que seja do erário público, nem um minuto sequer do tempo dos nossos representantes ou funcionários públicos. Não sei porquê, cheira-me que já se gastou. Está efectivamente tudo doido.
Via Aspirina B.
Update: Aquela triste figurinha, que nem sabe apertar uma gravata, que eu vi na televisão, é Secretário de Estado do XVII Governo Constitucional da República Portuguesa?! É oficial: está efectivamente tudo doido.
Palavras Simples a Recuperar
Fulgir
do Lat. fulgere v. tr., fazer brilhar; tornar fulgente; v. int., brilhar; fig., realçar, sobressair.
Etiquetas: língua portuguesa
quarta-feira, julho 25
Pau que nasceu torto
Vital Moreira volta a brindar-nos com os seus mal disfarçados tiques autoritários. Ficamos agora a saber que sob a República, apenas se pode fazer o que a lei diz que se pode fazer. Tudo o mais, é proibido. Ver-go-nho-sa, a reacção. Vergonhosa e reveladora:
«A Ordem dos Médicos decidiu instituir um registo nacional dos objectores de consciência em matéria de aborto.(...)onde está a norma legal que o permite ou que dá à OM tal poder? Salvo erro, não existe! Ora as ordens profissionais são entidades públicas, sujeitas ao princípio da legalidade, só podendo fazer o que a lei lhes impõe ou consente. Por isso, era conveniente a OM não se precipitar numa iniciativa sem pés para andar.»
terça-feira, julho 24
Ministra arquiva processo da DREN
«O processo disciplinar instaurado a Fernando Charrua foi arquivado pela ministra da Educação, que decidiu não aplicar qualquer sanção ao professor por considerar que o comentário jocoso que fez à licenciatura do primeiro-ministro se enquadra no direito à opinião.
Num despacho datado de dia 23 de Julho e divulgado hoje, Maria de Lurdes Rodrigues defende que "a aplicação de uma sanção disciplinar poderia configurar uma limitação do direito de opinião e de crítica política, naturalmente inaceitável numa sociedade democrática, uma vez que as declarações de Charrua não visavam um superior hierárquico directo", mas o primeiro-ministro, José Sócrates. "Assim, determino o imediato arquivamento do processo", refere Maria de Lurdes Rodrigues.»
in Público.
segunda-feira, julho 23
Mediatismo e indignação
A propósito deste vídeo, escreve JM Ferreira de Almeida no Quarta República:
«A imagem chocante de dois assessores do Presidente Lula da Silva a manifestarem gestualmente a sua satisfação por uma notícia que responsabilizava a companhia de aviação pela tragédia de do aeroporto de Cangonhas em S. Paulo, é um preocupante sinal dos tempos. Não tanto pela baixeza do carácter revelado por aquelas duas criaturas que se regozijavam pela desresponsabilização do Governo ao manter em funcionamento um aeroporto sem condições de segurança e se mostravam insensíveis ao horror de tantas vidas perdidas. Mas sobretudo porque aquele comportamento de pessoas próximas do núcleo do poder central brasileiro, mostra como a governação é orientada não pelas preocupações de prosseguir o bem comum, mas pela obsessão, por vezes extrema, de passar bem na opinião publicada.»
Com a ressalva de não acompanhar regularmente as intricadas teias da política Brasileira, não vejo aqui nada de substantivo que possa ofender ou chocar quem quer que seja. Apenas vejo, talvez, matéria para os desportistas da caça à gaffe, ao deslize, profissionais da indignação politicamente correcta exorcizarem novamente os seus fantasmas.
É naturalíssimo que o assessor esteja preocupado com a imagem mediática, sobretudo se for assessor de imprensa: é o trabalho dele. Isso não significa que o presidente ou a alta esfera política descure o bem comum em favor dessa imagem.
Se de facto havia uma tese de responsabilização do Governo pelo acidente aéreo (o que por si só já é algo retorcido) é perfeitamente aceitável, natural que haja um gesto de satisfação ao ver essa tese refutada. E o gesto não me pareceu propriamente duma alegria esfuziante ao ponto de ofender a memória dos que perderam a vida.
Insinuá-lo é em si uma ofensa, no mínimo precipitada, em relação aos visados.
JMFA responde nos comentários do post original.
Actualização (24/07): O espectáculo dos desportistas da indignação continua...
sábado, julho 21
Liberdade, sabeis o que é?
Quem raio se julga Vital Moreira para dizer o que podem ou não podem os Engenheiros fazer com o seu próprio dinheiro? Desde que não façam esquemas em pirâmide (como a SS), há porventura alguma razão — fora dum quadro socialista hard line — que impeça estes de constituirem poupanças conjuntas? E um bocadinho mais de respeito pela liberdade do próximo, não?
quarta-feira, julho 18
Palavras Simples a Recuperar
Sarilho
do Lat. sericula, dobadoura s. m., instrumento rotativo em que se enrolam os fios das maçarocas para formar meadas; cilindro móvel em torno do seu eixo, utilizado para levantar pedras, em construções; cruzamento ou encostamento de armas em número de três; roda-viva; fig., pop., confusão; mexerico; dificuldade.
Etiquetas: língua portuguesa
quinta-feira, julho 12
Valha-nos Santa Ingrácia
Por favor digam-me que isto é mentira. Se efectivamente se perdeu um mês por causa destas duas cartinhas, isto é um atestado de menoridade mental ao LNEC. Se o responsável fosse meu subordinado já não vinha trabalhar na segunda.
Já agora, lembram-se do incontornável problema dos slots na Portela? Aquele que colocava a Portela sob uma pressão enorme para aumentar a sua capacidade, pois todos os dias perdia muito dinheiro por não ter slots, garantia-nos até o Fernando Pinto, com rédea muito curta ao lado do "cuidador" Mário Lino num programa de televisão. Foi preciso vir o Rui Rodrigues acabar com o, relativamente longo, período de logro neste PDF, e mostrar-nos que slots ocupados todos os aeroportos têm e que a Portela nem está nada mal. É um pouco como se a senhora do café se queixasse das suas instalações porque todos os dias à hora de almoço havia uns clientes que tinham de esperar um pouco por uma vaga.
Quanto tempo, quantas gerações mais, até haver lisura na República?
Etiquetas: Novo Aeroporto, política
terça-feira, julho 10
Sugestão para os paladinos do zelo rodoviário
- Levar a cabo uma revisão dos limites locais de velocidade (os ditados pelos sinais de trânsito, não pelas regras), sobretudo nos troços urbanos de faixas separadas, ou de várias faixas (vias-rápidas, etc.).
- Retirar do código da estrada a estapafúrdia regra que diz que em qualquer situação, o limite de velocidade imposto é o limite mais baixo por via das regras ou por via da sinalética (contrariando o princípio geral de prevalência dos sinais sobre as regras).
Deste modo, não mais assistiríamos ao espectáculo civilizacionalmente degradante que é ver conjuntos de inchados agentes da autoridade fazerem emboscadas — é o nome — aos automobilistas que, ao se verem numa recta de duas faixas para cada lado, vazia, cometem a transgressão de lesa-pátria de ultrapassar o limite de 50km/h imposto por via de regra para toda a zona urbana. É estúpido, abstruso, medieval, contra-producente, mesquinho, ofensivo, perverso. Mas o que confrange mais é o ar de orgulhosos cumpridores de um serviço público altamente meritório que todos aqueles energúmenos parecem ostentar.
(Sim, fui multado a semana passada. E não, não sinto que tenha um átomo, um fotão que seja, de culpa.)
Etiquetas: sociedade
segunda-feira, julho 9
Não é o enfado
... mas antes a temperatura do cérebro, aquilo que parece explicar o bocejo. Aparentemente, bocejamos para refrescar o cérebro, e, se tivermos o dito refrescado, ficamos mais imunes ao efeito de contágio do bocejo.
E esta, hein?
Etiquetas: ciência
quarta-feira, julho 4
domingo, julho 1
Re: Evolução Humana e Consciência
No De Rerum Natura, um dos meus blogues preferidos, o Paulo Gama Mota escreveu um texto sobre consciência e evolução, cuja leitura recomendo. Este é um dos temas que mais me interessa e por isso queria aqui contestar alguns pontos.
«Se nós partilhamos com os outros primatas, filogeneticamente mais próximos, formas elaboradas de consciência, como a percepção dos estados conscientes dos outros, então elas terão surgido em um antepassado evolutivo comum.»
Não necessariamente. Há formas de consciência que se desenvolveram depois da "ramificação" e portanto de forma independente. Os pássaros, por exemplo, possuem algumas das características que dizemos constituir a consciência e é muito improvável que os nossos antepassados comuns, que foram bem mais primitivos a este nível, a tenham tido.
«Se não [tiverem surgido num antepassado comum], trata-se de algo exclusivo da nossa evolução, que tanto pode ter ocorrido há 2 milhões de anos como há alguns milhares»
Não necessariamente. O facto de tal faculdade ter surgido ou não num antepassado comum nada nos diz sobre a possibilidade de vir a surgir num ramo evolutivo subsequente. A partir do momento em que tal capacidade surja, é muito improvável que se perca, pela vantagem competitiva óbvia que representa, mas o facto de não ter existido em antepassados comuns não significa que seja um exclusivo de qualquer ramo evolutivo. Há aliás uma probabilidade aumentada de vir a ocorrer numa espécie, dada a sua ocorrência numa espécie semelhante, como são as que partilham antepassados, mas isso é outra coisa bem diferente.
Nada nos garante (há até pistas em contrário) que animais que já divergiram de nós há muito tempo não tenham (ou possam vir a desenvolver) "formas elaboradas de consciência" como a capacidade de entender a mente do seu semelhante. Alguns pássaros, os golfinhos, alguns cefalópodes — que divergiram do nosso ramo há 1200 MA! — têm capacidades cognitivas que ombreiam com as de muitos primatas superiores.
Posteriormente, é altamente improvável que estas capacidades tenham surgido apenas há "alguns milhares de anos". Pelo menos centenas de milhar. Estou a lembrar-me de evidência arqueológica da realização de cerimónias e rituais (nomeadamente fúnebres) datadas de há 70.000 anos. Dado que este tipo de realizações são expressões de maquinaria cerebral bem mais complexas (ou mais tardias evolutivamente), por extrapolação é expectável que a Teoria da Mente tenha nascido umas boas centenas de milhares de anos antes, se não mais.
«Apesar disso, não sabemos se outros primatas são dotados de uma teoria da mente. Estudos recentes com chimpanzés apresentam resultados equívocos. Circunstância agravada por não podermos recorrer à linguagem para comunicar. Assim, a questão de saber se estamos ou não sozinhos na biosfera, quanto a esta característica, permanece em aberto.»
Não é bem assim. Houve experiências recentes cujo objectivo era justamente dissipar as dúvidas que as primeiras na área deixaram, e em larga medida confirmaram a existência de uma Teoria da Mente em alguns primatas superiores. Chimpanzés, Bonobos e outros, se não estou em erro. Vide, p.e. Hauser 2006 — Moral Minds, cap. 6. Podemos ser peremptórios: quanto a esta característica, não estamos sozinhos na biosfera.
Etiquetas: ciência