domingo, julho 1

Re: Evolução Humana e Consciência

No De Rerum Natura, um dos meus blogues preferidos, o Paulo Gama Mota escreveu um texto sobre consciência e evolução, cuja leitura recomendo. Este é um dos temas que mais me interessa e por isso queria aqui contestar alguns pontos.

«Se nós partilhamos com os outros primatas, filogeneticamente mais próximos, formas elaboradas de consciência, como a percepção dos estados conscientes dos outros, então elas terão surgido em um antepassado evolutivo comum.»

Não necessariamente. Há formas de consciência que se desenvolveram depois da "ramificação" e portanto de forma independente. Os pássaros, por exemplo, possuem algumas das características que dizemos constituir a consciência e é muito improvável que os nossos antepassados comuns, que foram bem mais primitivos a este nível, a tenham tido.

«Se não [tiverem surgido num antepassado comum], trata-se de algo exclusivo da nossa evolução, que tanto pode ter ocorrido há 2 milhões de anos como há alguns milhares»

Não necessariamente. O facto de tal faculdade ter surgido ou não num antepassado comum nada nos diz sobre a possibilidade de vir a surgir num ramo evolutivo subsequente. A partir do momento em que tal capacidade surja, é muito improvável que se perca, pela vantagem competitiva óbvia que representa, mas o facto de não ter existido em antepassados comuns não significa que seja um exclusivo de qualquer ramo evolutivo. Há aliás uma probabilidade aumentada de vir a ocorrer numa espécie, dada a sua ocorrência numa espécie semelhante, como são as que partilham antepassados, mas isso é outra coisa bem diferente.

Nada nos garante (há até pistas em contrário) que animais que já divergiram de nós há muito tempo não tenham (ou possam vir a desenvolver) "formas elaboradas de consciência" como a capacidade de entender a mente do seu semelhante. Alguns pássaros, os golfinhos, alguns cefalópodes — que divergiram do nosso ramo há 1200 MA! — têm capacidades cognitivas que ombreiam com as de muitos primatas superiores.

Posteriormente, é altamente improvável que estas capacidades tenham surgido apenas há "alguns milhares de anos". Pelo menos centenas de milhar. Estou a lembrar-me de evidência arqueológica da realização de cerimónias e rituais (nomeadamente fúnebres) datadas de há 70.000 anos. Dado que este tipo de realizações são expressões de maquinaria cerebral bem mais complexas (ou mais tardias evolutivamente), por extrapolação é expectável que a Teoria da Mente tenha nascido umas boas centenas de milhares de anos antes, se não mais.

«Apesar disso, não sabemos se outros primatas são dotados de uma teoria da mente. Estudos recentes com chimpanzés apresentam resultados equívocos. Circunstância agravada por não podermos recorrer à linguagem para comunicar. Assim, a questão de saber se estamos ou não sozinhos na biosfera, quanto a esta característica, permanece em aberto.»

Não é bem assim. Houve experiências recentes cujo objectivo era justamente dissipar as dúvidas que as primeiras na área deixaram, e em larga medida confirmaram a existência de uma Teoria da Mente em alguns primatas superiores. Chimpanzés, Bonobos e outros, se não estou em erro. Vide, p.e. Hauser 2006 — Moral Minds, cap. 6. Podemos ser peremptórios: quanto a esta característica, não estamos sozinhos na biosfera.

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2 Comentários:

Blogger Claricinha disse...

De biologia e evolução das espécies não sei muito, mas de psicologia da linguagem sei um bocadinho...e sim, os chimpazés aprendem facilmente a comunicar por língua gestual...só nao falam porque o "aparelho" fonético que possuem não está tao desenvolvido como o dos seres humanos, capacidade cognitiva para isso não lhes falta.

00:27  
Blogger Foka_bock disse...

falta definir o que é consciência... é estudar o Damásio como deve ser...

15:04  

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