A Cannabis e o desenvolvimento de psicoses
A propósito desta notícia do Público, Carlos Loureiro diz no Blasfémias:
«Admitindo que a correlação estatística existe, não será antes a maior popensão para as doenças mentais a justificar a menor resistência ao consumo de cannabis?»
Com efeito, Carlos. O próprio autor do estudo, no podcast da revista Lancet diz que não se pode estabelecer o nexo de causalidade entre o consumo de Cannabis e o desenvolvimento de psicoses mais tarde. O que há é uma correlação, que nos diz que as pessoas que consomem cannabis têm um risco aumentado de desenvolvimento de psicoses, mas não necessariamente por causa desse consumo. É uma distinção muito importante esta entre causalidade e correlação. Para ter uma ideia, basta pensar que se duas condições forem consequências da mesma causa (e de nenhuma outra) a correlação pode ser de 100% (onde existe uma existe a outra e vice-versa) mas nenhuma delas causa a outra, sendo a relação de causalidade inexistente. E se tentássemos reduzir uma controlando a outra, nada aconteceria. É um exemplo extremo, apenas.
A verdade é que a maioria das condições observáveis são multi-variadas, com causas e consequências difusas. De qualquer forma, no que ao consumo de Cannabis concerne, o consenso científico é que não há uma relação causal estabelecida; há, isso sim, uma ligeira correlação com o desenvolvimento de desordens psicóticas, o que leva a concluir que o consumo de cannabis é tido como um factor contribuinte (nem necessário nem sequer suficiente) para um risco acrescido de desenvolvimento de psicoses, quando os outros factores também se verificam. Isto verifica-se de forma proporcional ao consumo e inversamente proporcional à idade, claro. É claro que as manchetes de jornais ou as palavras aterradoras de pessoas como Manuel Pinto Coelho não têm razão de ser. O senso científico está muito mais de acordo com o comum.
A ler, sobre o mesmo tópico, mas no Reino Unido, este artigo.
4 Comentários:
Este comentário foi removido pelo autor.
No âmbito das doenças mentais, devido à multiplicidade de factores envolvidos na sua manifestação, fala-se em correlações que, para um determinado nível de certeza estatística (normalmente um nível de variância de 0,01), acabam por consolidar um estudo estatístico sobre a manifestação de um quadro clínico mental. Falamos em correlações e grupos de risco, comportamentos de risco e não em causas isoladas. As psicoses tóxicas são exemplo de um quadro comportamental correlacionado com consumos de várias substâncias, de entre as quais a cannabis não aparece no topo da lista, obviamente, mas que com 0,99 ou 99% de certeza ( no mínimo com 0, 95) acabam por desenvolver sequelas. Claro que aqui é preciso operacionalizar consumos, regularidade e duração dos mesmos, assim como os factores protectores que todos temos e nos fazem únicos na reacção a este tipo de substâncias. No topo da lista, por exemplo, aparecem as metanfetaminas, cujo consumo acima de um determinado limiar origina, por vezes, a ideia de que se sente e se vê bichos por baixo da pele. É na tentativa de os apanhar que os pacientes abrem feridas, por vezes graves, no próprio corpo.
É de considerar, também, a dificuldade do estudo destes efeitos em ambiente controlado. A observação é naturalista e pouco controlada. Não podemos enfiar um gajo durante 30 anos a fumar todos os dias num quarto e ver o que acontece... sem sermos presos!
Um facto é irrefutável, a cannabis não é uma substância inócua, como alguns afirmam, o seu consumo prolongado no tempo tem consequências psicológicas graves e isso, meus caros, está mais que estudado e comprovado. No entanto, também não sou daquelas que acha que se deve banir a cannabis completamente, até porque existe o álcool, cujas consequências estão sobejamente estudadas, e por uma questão cultural condena-se mais a primeira...
Se me é premitida uma opinião muito pessoal, sou pelo bom senso e como não sou cínica, concordo com a legalização da cannabis com autorização do consumo a partir dos 18 anos, a par com programas de prevenção nas escolas, dinâmicos e adaptados, que atinjam efectivamente o público alvo, isto é, não-expositivos, interactivos, baseados em role-plays, etc. A informação já existe, já foi divulgada, o que falta é uma mudança de comportamentos que só é possivel através do envolvimento das pessoas para quem são feitas estas campanhas de prevenção.
onde se lê "nível de variância", leia-se "nível de significância"
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