sábado, dezembro 30

Saddam enforcado

Queria apenas dizer que considero horrenda e abjecta a ideia de se decidir matar alguém. Seja em que circunstância for. Sou peremptoriamente contra a pena de morte. Não se terminam vidas; não se matam pessoas, ponto final. Vou mais longe: mete-me algum nojo o júbilo perante a morte de alguém, como aconteceu com Pinochet, por exemplo.

Consigo entender que noutra culturas a morte (e portanto a vida) não tenham o mesmo valor que eu lhes dou - está, aliás, à vista - e até consigo entender o argumento segundo o qual o carácter simbólico e da irrecuperabilidade da morte de Saddam sejam importantes para o Iraque, mas simplesmente não consigo aceitar que se declare que alguém vai ser morto. Não consigo, nem acho que deva. Não.

Tinha de dizer isto.

(Ainda por cima enforcado...)

terça-feira, dezembro 19

A Regulação Independente

[A] intervenção governativa no processo de fixação de tarifas de electricidade para 2007(...), representa uma ruptura com a prática e com a evolução legislativa dos últimos onze anos [e] significa, do meu ponto de vista, o fim da regulação independente do sector eléctrico português. Consequentemente, apresentei hoje o meu pedido de demissão.
-- Jorge Vasconcelos, presidente demissionário da ERSE.


Tem, como não podia deixar de ser, toda a razão, Jorge Vasconcelos. A fixação administrativa do limite de 6% é um Guterrismo da pior espécie. O número não tem justificação, não chega sequer para cobrir os custos de produção e muito menos ajuda a cobrir o défice que se acumulou desde que Guterres disse que a electricidade não podia subir mais que a inflação.

Que Guterres tenha pensado, na sua bonomia, que tamanha dose de boas intenções era suficiente para o Português viver melhor e que as pessoas não são números, ainda vá, pelo menos à distância destes anos que nos permite usar do humor. O que me espanta é que este governo - que eu tenho elogiado em variados aspectos -, e que tanta gala faz de tomar decisões difíceis, tenha enveredado pelo mesmo caminho de varrer as dificuldades para debaixo do tapete. Fiquei sinceramente espantado. Não agora, mas há uns meses quando o governo veio "salvar" o povo de tão vil aumento, e o Jorge Vasconcelos disse clara e publicamente que os 6% não cobriam os custos, e que não só iríamos deixar acumular o passivo deixado por Guterres, como o iríamos aumentar! É mais uma estorinha da república das bananas em que as "elites políticas" teimam em subordinar-se ao popularmente correcto, com prejuízo de todos.

É que, longe dos olhos daqueles que apenas sabem reivindicar (sim, estou a falar de PCPs, BEs e conexos; obreiros do obscurantismo económico), há uns comboios e uns navios que trazem carvão, gás natural, e outras coisas que usamos para fazer electricidade. Alguma dela até é comprada já feita, vejam só. Acontece que essas coisas têm preços, e pela ordem natural das coisas - e não por nenhuma conspiração capitalista -, esse preço varia. É um facto, não tem nada que ver com intenções.

Acontece que a procura energética está a aumentar, e a oferta a diminuir. Faz sentido que a electricidade fique mais cara. Não é que eu queira, pois também a vou pagar, é um facto. E todos aqueles que se recusam a aceitar uma subida de 16% das tarifas da electricidade (a tal que cobriria os custos de produção e iria, em 5 anos, reduzir o défice anterior), têm de explicar muito bem explicadinho onde pretendem ir buscar o dinheiro. E porque é que não acham que o custo real de um bem se deva repercutir em quem o usa.

Tudo isto se passa num cenário global de aumento dos custos energéticos, de contenção dos gastos, melhoria da eficiência, e mudança de hábitos de consumo. Com a electricidade artificialmente barata, o que é que sucede? Fica tudo na mesma, com a singela excepção duma conta algures, a acumular juros, que alguém - um dia - há-de pagar. Isto faz sentido para alguém?

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A Licenciosidade Sindical

Parece-me francamente excessivo o repetido e irrefreado recurso à greve que o(s) sindicato(s) do Metro de Lisboa têm vindo a fazer. Oito greves, oito, mais duas planeadas, tudo isto porque a empresa não quer prolongar um acordo de empresa que lhes dá regalias - bastante generosas, ao que consta - para além do que a lei assegura para a generalidade dos contratos de trabalho? Será que nunca lhes ocorreu que não só a sua situação é injustificável (já nem digo por causa da situação de contenção orçamental, mesmo que houvesse superavit) como as suas greves acarretam milhares de euros de prejuízos que todos pagamos? Quanto custam os transportes alternativos? Isso devemos saber. Já não saberemos tão ao certo é quanto custa o congestionamento e atrasos causados pela greve, mas que custa, custa, e alguém paga. Façam lá as continhas ao custo do tempo perdido, mais o custo acrescido dos combustíveis, vezes umas dezenas de milhar de pessoas... Tenham santa paciência, mas se não querem trabalhar, há quem queira.

Acredito, no entanto, que a administração do Metro saiba distinguir o exercício legítimo de um direito que é a greve, da licenciosidade no seu uso a que muitos sindicatos se acomodam. Esta é, aliás a pedra de toque da responsabilidade sindical, que no caso é nula. E com sindicatos irresponsáveis é que os trabalhadores ficam "desprotegidos".

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segunda-feira, dezembro 18

A Perda, Informático dixit

Outro dia cheguei ao carro, pus a chave, rodei, e estava aberto. Olhei, tudo vasculhado. O conteúdo do porta-luvas espalhado pelo chão. Aquela sensação de invasão do nosso espaço por um estranho.
-- Que olhos imerecedores teriam visto as minhas coisas?
O terror: a mochila com o portátil! Não estava, claro.

Tinha facilitado. Tinha deixado o portátil na mala do carro, escondido, sem nada à vista. Nem sequer o tinha posto lá antes de deixar o carro. Não houve nada que indiciasse aos sempre atentos indigentes que havia ali qualquer espécie de riqueza, que lhes rendesse alguns trocos que fossem para a "dose". Mas o facto era que ali estava eu, em pé, encostado à porta do carro, de olhar dependurado sabe-se lá para onde, ainda a deglutir a tragédia que é, para um informático, perder o seu computador.

Tranquei o carro (gesto agora inútil, mas enfim), e fui à esquadra da zona. Lá relatei "a ocorrência" e lá deu entrada uma descrição do material furtado numa qualquer base de dados da PSP. Inútil, ou quase, penso eu. Pelo menos serve para as estatísticas, para que se saiba onde é que há efectivamente roubos. Apenas um exercício de cidadania, portanto.

De seguida meti mãos à obra. Não acredito em milagres, mas que los hay, los hay, e tratei de arranjar o número dum arrumador que conheço (o P., que só não é uma lição de vida para aqueles que não percebem o que andam cá a fazer) que vive pelo Intendente onde, consta, vai parar grande parte do material destinado aos receptadores. Lá me explicou os destinos mais prováveis, e só sei que daí a umas horas, me encontrava no próprio do Intendente.

A primeira vez que lá tinha passado tinha sido com o meu pai, se não me engano, a caminho da fábrica de azulejos Viúva Lamego, propriedade duma tia-avó. Desta vez a coisa chocou-me bastante menos, não sei se pelos anos que entretanto se passaram, se pela efectiva melhoria do panorama da zona. O que sei é que todos deviam passar por lá pelo menos uma vez, especialmente a malta da ética de convicções, meio antropófoba.

O meu plano era vago, vaguíssimo. O P. tinha-me dito "passas lá, topas a cena, 'mordes' - tás a ver? - e depois ficas ali pelo chafariz..." Pois. Podia ser que alguém que eu "mordesse" me viesse perguntar se eu queria um portátil roubado. De facto veio alguém, mas o que perguntou foi se aqui o "fofo" tinha lume. De forma polida deixei que a conversa chegasse ao convite para ir "para o quarto" - o que levou 10 segundos - e neguei simpaticamente pois estava "à procura de outra coisa". Arregalou os olhos - "que outra coisa?!" - e despediu-se. Ainda dei mais uma volta, na esperança de algum acto de Deus me colocar na pista certa, mas é claro que acabei na pastelaria mais próxima a comer uma tosta, a enviar mensagens de arrependimento (tinha faltado a um compromisso e achei que estava a ser castigado por isso) e a olhar para ontem, à espera que caíssem sapos do céu, e tudo voltasse a fazer sentido.

À saída ainda falei com uns polícias que ali estavam, que entenderam a causa, e que me recomendaram a passar na feira da ladra, pelas 5 da manhã. Pois bem, assim será. Toca de ir para a faculdade que há um trabalho para fazer. Eram umas 5 da tarde. Pelas 5 da manhã, saí da faculdade em direcção à dita feira. Aqui o plano já era mais claro: encontrar portáteis ou mochilas de portáteis, dar o mínimo de informação possível, ser discreto e cusco. Resultado: bola. Fui dormir. Até a &%#$ da escova de dentes estava na mochila! Arghh!

Uns dias depois liga-me o P. a avisar-me que tinha havido uma rusga no Intendente na qual tinham apreendido alguns portáteis. Ainda cometi a ingenuidade de tentar chegar ao material apreendido pelas vias normais dum cidadão em diálogo com as instâncias policiais, começando pelo 21-policia que dá para o comando. Resultado: uns 5 euros em chamadas, tempo e paciência perdidos, ninguém me sabia informar de nenhuma rusga que tivesse havido. Um amigo que tem amigos fez um telefonema e meia hora depois já se interrogava os próprios executores da operação (à paisana) sobre o portátil em causa. Lamentavam, mas não havia nenhum com aquela descrição.

Ainda passei no DIC de Alcântara, nada; falta passar na secção de espólio do DIAP, nessa vã esperança, cada vez mais ténue, de recuperar parte da minha vida que naquela noite foi parar às mãos dum qualquer amontoado de células que vagueia por aí, e que nem sequer percebe que um resgate lhe valeria bem mais do que a venda, tendo, ainda por cima, os meus contactos assim que liga o equipamento e este lhe pede a password.

É uma lição que não deveria ser preciso aprender, mas lá que está aprendida, oh se está. Não estava era à espera que doesse tanto perder um computador. A sério, é o verbo certo: doer. É inquietante a falta que a informação faz. Agora, estoicismo e resiliência, é o que é preciso.

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