Assim vai a Liberdade de Expressão II
O Sporting processou o Público em 2001, por alegados danos ao seu bom nome e reputação, pedindo uma indemnização de cerca de 500 mil euros. Os factos prendem-se com uma notícia dando conta de irregularidades fiscais que se vieram a provar verdadeiras. Tendo perdido em primeira instância, o clube recorreu e, em Setembro de 2006, o Tribunal da Relação confirmou a decisão anterior. Após novo recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, os juízes conselheiros contrariam agora as duas decisões anteriores.
Alegam, neste acórdão, que, muito embora se tenha provado a veracidade da notícia, os jornalistas agiram de «modo censurável do ponto de vista ético-jurídico». Acrescentam que «é irrelevante que o facto divulgado seja ou não verídico para que se verifique a ilicitude a que se reporta este normativo, desde que, dada a sua estrutura e circunstancialismo envolvente, seja susceptível de afectar o seu crédito ou a reputação do visado». Se dúvidas houvesse quanto à valoração relativa da liberdade de expressão e informação e da salvaguarda da (boa ainda que falsa) reputação, os doutos conselheiros deixam as coisas bastante claras: «Atendendo à ênfase que a Declaração universal dos Direitos do Homem dá ao direito à honra e à reputação, expressando que ninguém sofrerá ataques em relação a ela, no confronto com a menor ênfase dada ao direito de expressão e de informação, a ideia que resulta é a de que o último é limitado pelo primeiro».
Concluem dizendo que os jornalistas «agiram na emissão da notícia em causa de modo censurável» com a «publicação ilícita e culposa da notícia». Arvorando-se ainda em... jornalistas, falam de cátedra dizendo que «não havia em concreto interesse público na divulgação do que foi divulgado», situação que ofendeu o «crédito e o bom-nome do clube de futebol, que disputa a liderança da primeira liga».
Portanto, sendo a verdade dos factos irrelevante, e sobrepondo-se a protecção da reputação à liberdade de expressão e informação, o que este acórdão diz é que as pessoas têm o direito à boa reputação, mesmo que esta seja falsa, isto é, têm direito à boa falsa reputação. E ai de quem ouse dizer mal de alguém usando factos comprováveis, porque se o tribunal vier a achar que não há interesse público nessa divulgação, incorre num ilícito criminal. Porém — valha-nos isso —, só se se tratar de um clube que dispute a liderança da primeira liga! Ufa!
Leio, releio, e por mais voltas que dê, continuo absolutamente perplexo. Ainda bem que em Portugal a jurisprudência não é fonte de direito. A coisa é capaz de se clarificar com um pequeno toque no artigo 37º da constituição.
Via Blasfémias.
Actualização: A questão não é criminal, mas cível. Não tem portanto que ver com a constituição ou com o artigo 180º do código penal, mas antes com o artigo 484º do código civil, que reza:
ARTIGO 484º
(Ofensa do crédito ou do bom nome)
Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados.
Está lá: «...afirmar ou difundir um facto...», pelo que o tribunal se terá limitado a aplicar a lei. De que forma é que isto se articula juridicamente com os demais preceitos, desconheço. Para mim interessa a questão ética, não a jurídica (o direito é um instrumento, não um fim), e essa, mantém-se. Para mim, este artigo não é eticamente correcto. Obrigado à Sandra por mastigar o acórdão.
1 Comentários:
O Quim Barreiros também toca ACORDÃO
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